Sempre foi objeto de toda a minha curiosidade entender porque o jeans se tornou uma peça tão iconográfica no mundo inteiro. Por alguma razão adotamos o azul índigo do jeans como uma cor que está além da combinação.
Porque a calça de sarja azul é tão difícil de usar e a calça jeans azul tão fácil? Porque a calça blue jeans é mais fácil de usar que a black jeans, ou que qualquer calça preta? Porque o mundo inteiro veste jeans? Porque a mulçumanas usam jeans embaixo da burca? Porque o jeans causa tanta comoção? Porque outros artigos do vestuário entram e saem da moda: o vestido longo, as saias, o linho, o veludo, as rendas, mas as filas de cinema, as cadeiras das escolas e das universidades, os supermercados, os bancos, as baladas, tudo o que há, tem sempre 90% de pessoas usando jeans, ao redor de todo o planeta? O que foi que aconteceu afinal?
Eu não tenho uma reposta pra isso ainda, tenho palpites apenas. E pra tentar entender este fenômeno recorri às artes plásticas. Junto com a CASA CONTEMPORÂNEA, espaço em São Paulo na Vila Mariana, celeiro de novos artistas, de arte vanguarda, trabalho de gente grande, espaço de curadoria, cursos, discussões e informação, reunimos os artistas que cercam a CASA e propomos a exposição, onde a Cipolla daria uma calça jeans pra cada um investigar este fenômeno chamado jeans na moda.
Combinamos que a obra de cada artista tem que passar pela calça, apesar de que a calça em si pode nem aparecer na arte final. Foi uma proposta ousada, mas a turma de lá adora um desafio, e depois de uma conversa informal onde expus alguns dados, eles toparam e ficaram eletrizados com a idéia.
Os trabalhos já estão chegando na CASA CONTEMPORÂNEA e o frissom aumenta a cada minuto: agüenta coração, até quarta-feira, dia 13 de agosto, as 20h, abertura da exposição, que fica em cartaz na CASA até dia 27.08.2011. A Marcia, diretora da CASA, acabou de me ligar dizendo que a Mariana, uma das artistas do grupo, costurou a etiqueta da CIPOLLA no corpo, e fez uma foto (sem photoshop) de 1,70m. Sorte da artista que o marido é cirurgião plástico, talvez ela não tenha sentido dor. Mas tudo pela arte e pelos recados entremeados nas idéias.
Pois bem, na conversa informal que tivemos em abril deste ano, quando propusemos a exposição, fiz algumas considerações: a arte da tecelagem é mais antiga que as próprias figuras rupestres, antes do homem escrever a primeira letra cuneiforme, ele já tecia, já manipulava fibras têxteis e essa técnica é a mesma utilizada até hoje pelos teares de última geração.
A arte de fazer tecidos não mudou. Durante muitos séculos o trabalho da tecelã era exclusivamente feminino, e elas estavam representadas na mitologia greco-romana, pelas moiras, ou ainda pela rainha que esperava seu amado rei voltar da Guerra e tecia uma colcha de dia, e desconstruía o trabalho tecido a noite, para a colcha nunca ficar pronta e ela não ter que se casar novamente, até que seu Ulysses voltasse um dia. O que acabou acontecendo.
Tem ainda o desafio que uma moira grega propõe a uma Deusa do Olympio, de quem seria a melhor tecelã da Grécia, a moira vence o desafio mas a ira da Deusa a transforma em uma aranha. É a lenda de Aracne.
Penso em como os têxteis contam a história da humanidade, tanto que as palavras se confundem: texto, têxtil, olhar de viés, viés do tecido, trama da história, fio de trama.
Lembro que o jeans é feito de um tecido chamado denim, cujo fio de urdume (apenas) é tinto num corante de baixa fixação. O que permite que a peça desbote facilmente com o uso, marcando o corpo de quem veste e mostrando as experiências vividas dentro da calça.
Penso nas minhas bisavós, tecelãs italianas que migraram para o Brasil no início do século passado para tecer nos enormes teares manuais das indústrias de Francesco Matarazzo. Fico até com lágrimas nos olhos e dedico este texto, e também a idéia da exposição, a elas, minhas ancestrais, que tecendo, com braço forte, contaram a história da minha família.