Um reconhecimento muito importante e mais que merecido! A Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC) da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) realizou, em sessão solene na noite desta sexta-feira (15/12), no Plenário 13 de Maio, a entrega do Prêmio Frei Tito de Alencar de Direitos Humanos para o Movimento das Mães e Familiares do Curió, em razão da luta por memória e justiça para as vítimas da Chacina do Curió – ocorrida na madrugada de 12 de novembro de 2015.
O presidente da Alece, deputado Evandro Leitão, ressaltou que a “sessão desta noite é cheia de significados. Estamos demonstrando que é possível lutar coletivamente para a efetivação dos direitos humanos”. Na avaliação dele, ao conceder o prêmio, a CDHC “é sensível à dor imensurável e às consequências permanentes na vida de quem perdeu um filho ou familiar naquele lamentável episódio de violência que marcou para sempre a vida destas famílias”.
Evandro Leitão também avaliou que essa luta por memória e justiça é importante para que episódios como esse não se repitam. “Estamos juntos nas principais iniciativas de reconhecimento e reverberação dos gritos de dor dessas mães”, garantiu. O parlamentar enalteceu importantes conquistas dessa luta, como a aprovação, pela Alece, do projeto de lei que garante indenização a familiares de mortos e a vítimas sobreviventes da chacina.
O presidente da CDHC, deputado Renato Roseno (Psol), relembrou histórias de momentos alegres de mães e familiares com as vítimas da chacina. “Quero dizer a essas mulheres que essa dor não tem nome, porque a gente sabe que, quando se perde alguém, se fica órfão. Mas e quando se perde o filho? É a maior dor da humanidade”, afirmou.
Entretanto o parlamentar enalteceu a importância da luta que travaram desde então para clamar por justiça, transformando “a dor e luto em luta para que nenhuma mãe viva aquilo que elas viveram”. Renato Roseno ainda salientou que não existem “corpos matáveis” na sociedade e condenou a violência contra jovens negros das periferias.
Além disso, o deputado relembrou a trajetória de Frei Tito, frade dominicano que, em razão da sua luta em favor da democracia durante a ditadura militar brasileira, foi torturado e, por conta dessa dor, acabou tirando a própria vida. Segundo Renato Roseno, essa é a “mais alta comenda em direitos humanos no Ceará”.
HOMENAGEADOS
Foram agraciados com o prêmio os representantes do Movimento – Ana Lúcia Costa Santos, Antônio Sidnei dos Santos, Catarina Ferreira Cavalcante, Edna Carla Souza Cavalcante, Jane Meire Alexandre de Sousa, Maria de Jesus da Silva, Maria Suderli Pereira de Lima, Netinha Francisca Pinho, Penépole Pinho, Rosa Alexandre de Souza, Silvia Helena Pereira de Lima.
Maria de Jesus, mãe de Renayson Girão da Silva, morto na chacina aos 17 anos, comentou que a rosa que recebeu durante a solenidade fez lembrar a que recebeu do filho antes de ele morrer. “Quero homenagear não só o meu filho, mas as outras dez vítimas”, disse ela, lembrando que o sonho de Renayson era ser jogador de futebol.
Já Edna Carla Souza Cavalcante, mãe do jovem Álef Souza Cavalcante, também morto aos 17 anos, destacou que o filho se tornou uma luta coletiva por meio do Movimento Mães da Periferia. “O Álef é cada um de vocês que estão aqui”, afirmou. Emocionada, revelou que o filho nunca a deixou só, mesmo após a morte.
Ana Lúcia Costa Santos, esposa de José Gilvan Pinto Barbosa, morto aos 41 anos na chacina, lembrou que “são oito anos de altos e baixos”. “Para mim e para o coletivo todo é muito importante essa homenagem”, comentou. Ela ainda agradeceu o apoio dado por instituições públicas e da sociedade civil: “Foi muito difícil e, sem a ajuda da sociedade, de vocês, a gente não ia conseguir (lutar)”.
E Sílvia Helena Pereira de Lima, mãe de um dos sobreviventes do crime, disse que o prêmio “veio como reconhecimento pelos oito anos de luta”. “Eu não perdi meu filho, mas conviver com essas mães que perderam filhos, esposas e maridos é tremendamente doloroso”, revelou.
AUTORIDADES E SOCIEDADE
Participaram também da sessão solene representantes de instituições públicas e da sociedade civil cearense. A secretária dos Direitos Humanos do Ceará, Socorro França – que representou o governador Elmano de Freitas -, fez um pedido de desculpas às vítimas e familiares ao “pedir perdão em nome de todos que fazem o estado do Ceará”.
Ela ainda lembrou que o Ceará foi o único estado a enviar um projeto de lei para indenizar famílias e vítimas de um episódio de violência estatal sem a necessidade de a Justiça determinar esse pagamento. Socorro França ressaltou ainda que o governador possui uma trajetória de vida ligada à defesa dos direitos humanos.
O procurador-geral de Justiça, Manuel Pinheiro Freitas, reconheceu que essa foi “uma das solenidades mais belas e emocionantes da minha vida”. Ele relembrou toda a convivência que teve com as mães do Curió durante os quatro anos do mandato à frente do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). “Elas me ensinaram muito nesse contato que tivemos. São pessoas que têm uma força e coragem extraordinárias”, elogiou.
A importância das três sessões de julgamentos já realizadas com acusados pelo crime, que levou, até o momento, a seis condenações, também foi lembrada. “Infelizmente este País, marcado por contradições e injustiças, tem visto acontecer uma série de chacinas muito parecidas (…), e nós aqui do Ceará demos a demonstração que o sistema de Justiça, apesar de todas as dificuldades, é capaz de alcançar os autores desses crimes tão graves”, avaliou.
O subdefensor público-geral do estado do Ceará, Leandro Bessa – representando a defensora pública-geral, Sâmia Farias-, comentou não ter conseguido “conter muitas vezes as lágrimas, porque, de fato, é um dos momentos mais importantes de reconhecimento da luta travada por essas mães”. Ele ressaltou ainda que toda essa mobilização foi responsável pela implantação de importantes políticas públicas, como a Rede Acolhe, da Defensoria Pública do Estado (DPCE), que presta assistência às vítimas de violência no Ceará.
E a coordenadora-geral do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Estado do Ceará (Cedeca), Mara Carneiro, enfatizou que as mães do Curió ensinaram o que é a força, a luta por justiça, a união, a coletividade e, principalmente, a busca por reparação, mas sem um sentimento de vingança. “Ao transformar luto em luta, vocês conseguiram montar a maior rede de solidariedade deste Estado”, comentou.
Também estiveram presentes na mesa da solenidade o deputado Missias Dias (PT); o presidente em exercício do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), desembargador Heráclito Vieira de Souza Neto; a diretora do Fórum Clóvis Beviláqua, juíza Solange Menezes Holanda, e a vereadora de Fortaleza Adriana Gerônimo.
A sessão solene contou ainda com apresentações musicais do coral infantil da EMEIF Isabel Ferreira e do sexteto juvenil da Casa de Vovó Dedé, que também interpretou o Hino Nacional no início da solenidade.
SOBRE O PRÊMIO
O Prêmio Frei Tito de Alencar foi criado em 2001 e reconhece anualmente o trabalho de pessoas e entidades dedicadas à defesa e efetivação dos direitos humanos no Ceará e no Brasil. A premiação homenageia ainda o cearense Frei Tito, um símbolo da defesa dos direitos humanos durante a ditadura militar.
Fotos e texto: Reprodução ALECE.