No mundo antigo, a música fazia parte das sete ciências, juntamente com a gramática, retórica, dialética, aritmética, geometria e astronomia. A classificação se deu pela sua conexão com a matemática (ritmo) e a física (áudio). Embalando a dança e as formas de comunicação mais rudimentares com as divindades, a música sempre trouxe feixes de significados para a existência humana e a conseqüente compreensão sobre sua relação com o universo.
A música é um dom. Habilidade que perpassa através dos genes ou, inexplicavelmente, acomete a pessoa desde cedo, que toca mesmo sem estudar. Também é verdade que a musicalidade aprimora-se por meio da prática, da técnica, da educação do ouvido, das dores e dos amores.
Desmistificando o que é simples por natureza, tocar um instrumento pode ser tarefa para qualquer pessoa, com condições físicas e estrutura motora medianas. Toda sonoridade produzida, respeitado o ouvido do vizinho, é válida para o emitente. Uma nota musical pode ser a transmutação de um grito desabafado, um choro ferido, uma emoção perdida, uma alegria repentina, um desencanto ou uma sensação tão subjetiva que nenhuma palavra consegue expressá-la.
O que ora se defende é que as pessoas podem, devem e têm o direito de pegar para si um instrumento, ou sua voz, na intimidade, e produzir sons da forma que lhe toca a alma, sem pretensão ou obrigação de tornarem-se concertistas e virtuoses. Trata-se de alcance humanista e libertário da relação do homem com sua própria essência musical que se inicia com o ritmo e a batida sincopada do coração.
Música é o dia atrás do outro. Em um momento não se consegue alcançar a nota desejada. Na semana seguinte, a nota já faz parte de seu repositório particular. O professor ajuda, mas o que importa é a convivência com o instrumento, a intimidade das mãos com o objeto, a amizade travada com aquela peça que produz sensações incríveis. É certo que devemos sempre respeitar o ouvido do outro, que às vezes não deseja compartilhar dos erros, acertos e notas desafinadas que fazem parte do estudo.
A boa música nos conduz ao divino. Acalma a mente, aguça a sensibilidade, ajuda a reflexão, a concentração e a percepção de tudo ao derredor. Quando se toca, exercitam-se partes especiais do cérebro de difícil acesso produzindo uma série de benefícios. Além disso, a música na família é fator agregador.
Para os que realmente não desejam se aventurar nos acordes, a simples audição também produz positivos efeitos. Importante é aprender a perceber os sons. Ouvir e escutar ao mesmo tempo, cerrar os olhos e se deixar levar. A boa música aprisiona o ouvinte, não deixando alternativa senão embarcar no vendaval de sensações. É secundário, neste contexto, o juízo de valor sobre estética musical ou a classificação de gêneros populares e eruditos. O que importa é que determinada música desperte a esfera de alguém.
Como ouvir melhor a música? Primeiro, reserve um período de tempo exclusivo para sentar-se confortavelmente, em local silencioso. Use um aparelho de som em volume razoável, nem muito alto, nem muito baixo e sem distorções que modifiquem o áudio original. Escolha gênero e artista que lhe agradem. Quando os olhos se fecham, eliminando o sentido da visão, a audição é automaticamente aguçada, aumentando a percepção dos sons.
Desligue o telefone e concentre-se. A música é composta de melodia, harmonia e ritmo. Procure ouvir quais instrumentos fazem parte de determinada gravação. Ouça a voz, preste atenção na interpretação, perceba a letra e se interesse pelo seu sentido. Identifique os instrumentos graves (contrabaixo, bateria), os de tessitura média (piano, violão, cordas) e as freqüências agudas (pratos, contratempo, percussão). Observe quais instrumentos conduzem a cadência rítmica. Deleite-se com os contrapontos ao tema e os caminhos harmônicos. Surpreenda-se com as polifonias. Perceba os detalhes e a sutileza das dinâmicas, das respirações e do silêncio dentro na música.
Para ouvir o jazz, o forte são os solos e improvisos instrumentais que contam uma história que tem como protagonistas o saxofone, o trompete e o piano, e como coadjuvantes o contrabaixo acústico e a bateria. Entenda os diálogos da forma que seu coração desejar.
O gênero popular normalmente apresenta pequena introdução, primeira e segunda partes, que se repetem; um solo instrumental, ou um refrão. A parte final poderá ser a repetição do refrão ou uma terceira parte. Com o tempo, o formato torna-se evidente.
Na música erudita as estruturas são mais complexas. Há uma quantidade bem maior de instrumentos e as texturas são variadas, com cores diversas. As construções são acadêmicas e há formações que vão das filarmônicas aos grupos de câmara.
A música, companheira de todas as horas, é terapêutica. Faz bem à mente, ao corpo, ao espírito, aos animais e às plantas. Ajuda muito no desenvolvimento das crianças, aguçando-lhes os sentidos, a atenção e a percepção. Complemente os momentos importantes da vida com forte aroma musical. No futuro, quando voltar a ouvir aquele solo de violoncelo, as sensações vivenciadas no passado tornar-se-ão presentes.
Por fim, permita-se ousar e explorar os diversos caminhos sonoros, espante os males e aproxime-se do sagrado. Ouça, sinta e viva internamente… E chegando ao final da música, e da vida, nunca espere pelos aplausos. Surpreenda a si mesmo e comece novamente. Tcham!
Foto: Fernando Bacelar