Os estudantes que ingressarem nos cursos de Medicina a partir de janeiro de 2015 terão um novo período de formação. A proposta de inclusão de um ciclo de dois anos a mais, para a atuação na atenção básica da rede pública e serviços de urgência e emergência, foi anunciada pela presidente Dilma Rousseff, ontem, durante o lançamento do Pacto Nacional pela Saúde – Mais Hospitais e Unidades de Saúde, Mais Médicos e Mais Formação. A medida vale para faculdades públicas e privadas.
Com o objetivo de melhorar a oferta de médicos no País – nas áreas mais carentes, em especial no Norte e Nordeste, e nas cidades do Interior – e a formação dos profissionais, a mudança está prevista na medida provisória (MP) a ser apreciada no Congresso Nacional, que institui o programa Mais Médicos. O Conselho Nacional de Educação ficará responsável por regulamentar a decisão e definir diretrizes do que o governo chama de segundo ciclo, em até 180 dias.
Durante esse período de experiência adicional no Sistema Único de Saúde (SUS), os estudantes permanecerão com vínculo as suas instituições de ensino, contudo, custeados por meio de bolsa do governo federal, com autorização provisória para exercício da Medicina. Somente após os dois anos de atuação em um serviço de atenção básica e de urgência e emergência, o profissional poderá ter o seu registro definitivo de médico.
De acordo com o Ministério da Saúde, esse período do curso poderá ser aproveitado como uma das etapas da residência ou pós-graduação, caso o profissional opte por uma opção de especialização do ramo da atenção básica. Com essa alteração no currículo, a expectativa é que entrem 20,5 mil médicos na atenção básica em 2021. O modelo foi inspirado em países como Inglaterra e Suécia.
Ainda conforme o Ministério, o programa Mais Médico tem como iniciativa, também, a criação de mais 11.447 novas vagas de graduação em Medicina até 2017, diminuindo a carência de médicos, especialmente nas regiões mais carentes. “O segundo eixo do Pacto Nacional pela Saúde é o investimento na formação de médicos. Vamos priorizar especialidades como pediatria, ginecologia, oncologia”, ressaltou em seu discurso a presidente Dilma Rousseff.
Residência
O governo anunciou, também, a abertura de 12 mil novas vagas de residência médica até 2017, sendo quatro mil disponibilizadas até 2015, visando equiparar os postos de especialização à quantidade de formandos. Conforme o Ministério da Saúde, que custeará as bolsas, estará garantida a todo médico a oportunidade de se especializar no termino do curso universitário. O financiamento será no valor de R$ 2.976,26, soma com reajuste realizado em 24,8%.
Durante a cerimônia, a presidente esclareceu que um dos objetivos do Pacto está o esforço de suprir a falta de médicos. De acordo com Dilma Rousseff, as vagas disponíveis, oferecidas primeiramente a médicos brasileiros, terão uma remuneração de R$ 10 mil, paga pelo governo federal. Aqueles que atuarem nas áreas mais distantes e com maior precariedades, receberão ajuda de custo complementar.
“E é importante também o fato de que nós iremos fazer um chamamento nacional. Se essas vagas não forem preenchidas por esses médicos, elas serão oferecidas a médicos formados em outros países, inclusive médicos brasileiros formados em outros países, assim como médicos estrangeiros formados em outros países”, declarou.
CE tem alta concentração de médicos na Capital
Uma análise do quadro de médicos em atuação no Ceará revela que a alta concentração de médicos na Capital tem deixado o Interior desassistido. No Interior do Estado e na região metropolitana, existe menos de um médico para cada mil habitantes, proporção inferior à recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de, no mínimo, um para cada mil. Mais precisamente, a média no Interior é de 0,36 profissional para cada mil pessoas.
De acordo com o Conselho Regional de Medicina do Ceará (Cremec), são 2.194 médicos para 6 milhões de pessoas, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 32 dos 183 municípios, há apenas um médico para toda a população. Um exemplo é a cidade de Amontada, onde os 39.232 moradores dependem de um profissional. A maioria dos médicos ativos (7.988) está na Capital. Em Fortaleza, são 3,25 para cada mil habitantes.
Segundo Rafael Dias, conselheiro do Cremec, as regiões mais remotas são as mais prejudicadas. Ele afirma que a distância, associada às precárias condições de trabalho, aos salários baixos e à dificuldade de ascensão profissional, afasta cada vez mais médicos do Interior.
Condições
Para o presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará (Simec), José Maria Pontes, não adianta levar profissionais para o Interior se não forem oferecidas condições de trabalho. Para ele, as medidas do governo federal, como a importação de profissionais estrangeiros, são paliativas.
O secretário da Saúde do Estado, Arruda Bastos, reconhece que há poucos médicos no Interior e que algumas localidades carecem de reestruturação. Ele destaca que, neste sentido, o governo fez avanços, como a construção de Hospitais Regionais e Policlínicas.
Bastos pontua que nem todos os municípios têm deficiência por conta da falta de condições. “Alguns hospitais extremamente montados têm dificuldades de encontrar recursos humanos”, frisa. Ele defende a criação da carreira de Estado para os médicos que atendem pelo SUS.
Universidades avaliam as mudanças propostas
Apesar da medida ter sido proposta para entrar em vigor somente a partir de 2015, universidades do Ceará repercutem as mudanças sugeridas pelo governo federal. Para o diretor da faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), José Luciano Bezerra Moreira, a medida é positiva e iniciaria um processo de otimização na atenção dada aos pacientes do SUS, especialmente em locais com condições mais precárias.
No entanto, defende uma revisão das condições de trabalho oferecidas pelos municípios. “Aqui no Ceará, nós temos levantamentos que apontam locais onde não se tem um estetoscópio, um tensiômetro para medir pressão, não tem sequer um comprimido de dipirona. Defendo que o médico deveria ficar um ano à disposição do governo, com salário digno e com condições dignas de trabalho. Médico não é um feiticeiro, um mágico que inventa tratamento”, comenta.
Infraestrutura
Apenas oferecer um profissional médico de uma forma compulsória em uma cidade do Interior, sem as devidas condições para o exercício da atividade não é o suficiente, é o que também considera o coordenador do curso de medicina da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Moacir Cymrot. “O médico acabou sendo colocado hoje em dia como bode expiatório em todas as mazelas da saúde, coisa que não é verdade. É preciso ter toda uma infraestrutura. Isso significa oferecer estabilidade, condições para se realizar um atendimento, solicitar exames, aparelhagem mínimas necessárias”, destaca.
Para o professor do curso de medicina da Universidade de Fortaleza (Unifor) e vice-reitor de graduação, Henrique Sá, o projeto não é novo, foi apenas remodelado pelo governo, “antes com o nome de serviço civil obrigatório”, ressalta ele, não considerando haver, a princípio, grandes mudanças durante a formação médica no primeiro ciclo.
Contudo, alerta para o fato de não se tratar de uma medida a curto prazo, uma vez que as primeiras turmas desse novo processo atuarão apenas em 2021. “Se o governo tiver interesse em medidas a curto prazo precisa pensar em ações emergenciais”.
Fonte: Diário do Nordeste
Foto: Reprodução