Querer que o seu filho esteja sempre bem e que nada de ruim aconteça com ele é completamente normal. Querer ficar ao lado dele o máximo possível para cuidar e tentar impedir que eventuais acidentes aconteçam com ele, também é normal. Porém, todo esse cuidado tem um certo limite.
“Supervisão e superproteção são termos bem distintos. A supervisão faz parte do desenvolvimento da criança. É a interferência como proteção saudável, sem tentar manipular as experiências infantis. Os pequenos precisam passar por essas situações de vivência, mesmo que se machuquem algumas vezes. A supervisão constante é um tipo de interferência negativa, que impede a criança de passar por coisas novas”, explica Josiane Viotto, pedagoga e professora de Pedagogia da Unopar.
Coisas como não deixar a criança engatinhar no chão, brincar no parque sozinha e até mesmo não deixar que ela vá para o colo de outras pessoas são exemplos de atitudes que ultrapassam o limite da supervisão sensata da integridade física. As crianças precisam sim ter contato com o mundo que está ao seu redor para ter um bom desenvolvimento social e cognitivo infantil e para que elas possam amadurecer emocionalmente.
“Os pais não podem ficar eternamente perto dos filhos para protegê-los. Quanto mais eles crescem, mais situações complexas e difíceis precisarão enfrentar. Se nunca aprenderam a lidar com isso e nunca precisaram brigar pelo o que querem, como vai ser isso na fase adulta? A frustração é muito maior, pois eles não desenvolveram esses mecanismos de defesa”, afirma a psicóloga Ely Harasawa, da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
Ficar em cima da criança o tempo todo só vai impedir que ela tenha autonomia e aprenda a se virar sozinha, e uma criança que não desenvolve a própria autonomia tem mais dificuldade de aprendizagem e para se relacionar com outras crianças.
Segundo especialistas, ao invés de supervisionar o seu filho o tempo todo para que ele não se machuque, você deve conversar e explicar para ele o motivo pelo qual ele não pode fazer certas coisas e nem mexer em certos lugares. Isso vai ajudar no processo de independência do seu filho sem colocá-lo em risco. O melhor é conversar com as crianças sobre os perigos de determinada atividade e como evitá-los, mas permitindo que elas conheçam tudo por conta própria.
Saber soltar a mão dos pequenos é fundamental. A queda, por exemplo, é inevitável na infância e os pais não precisam evitá-la a todo custo. O caminho é oferecer um ambiente seguro para que os filhos não se machuquem, mas passem pela experiência.
“A criança precisa de estímulos que façam sentido para ela, de modo que ela aprenda a agir e reagir. Por isso, os pais devem deixá-la experimentar e conhecer esse mundo, com objetos e pessoas que convivem no seu meio social. Quanto mais espaço os pequenos tiverem, mais autonomia terão. Eles acabam aprendendo a lidar com a própria frustração, com as dores da vida”, pondera Ely Harasawa.
De acordo com dados da ONG Criança Segura as estatísticas de acidentes com crianças diminuíram, por conta de uma série de fatores, nas últimas décadas. O fato de que o atendimento de emergência hoje é mais eficaz, bem como as instalações hospitalares que atendem as crianças acidentadas são alguns desses fatores.
Segundo a coordenadora nacional da ONG, Alessandra Françoia, assim como os tempos mudaram, o tipo de acidente a que as crianças estão expostas hoje também são outros. Antigamente, elas podiam brincar mais nas ruas sem correr o risco de serem atropeladas, já que o volume de carros era muito menor. Hoje, esse risco é bem maior, por isso a supervisão dos cuidadores é importante.
“O ideal é que exista o acompanhamento e a observação das crianças, mas de modo a promover o empoderamento delas. Assim, elas aprendem sozinhas que existem riscos que elas precisam evitar. Um grande problema, hoje, é que muitas passam o dia em casa, assistindo à televisão, e acabam perdendo noções importantes de autoprevenção”, acredita Alessandra.
Se por um lado os acidentes diminuíram, a violência aumentou drasticamente. Sendo assim, o modelo de criação a ser adotado pelos pais também deve ser outro, não convém adotar um modelo de criação dos filhos como se ainda vivêssemos no começo do século. “Os pais não podem fechar os olhos para o contexto em que estamos inseridos, pelo menos no Brasil, de violência recorrente. O melhor a se fazer é deixar as crianças cientes dos riscos, explicar o que é bom e o que é ruim, de modo que elas saibam se defender, já que os pais não podem estar sempre por perto”, diz Josiane Viotto.
O cuidado e a supervisão dos pais devem existir, até para que as crianças saibam que eles estão ali para apoia-la quando necessário, porém o ideal é que essa supervisão seja feita de uma forma um pouco mais distante, para que você saiba o que está acontecendo com o seu filho, mas para que ele também consiga aprender que cair e se levantar por si só faz parte da vida.
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