Em uma época em que, cada vez mais, as mulheres discutem sobre como lidar com uma sociedade que até pouco tempo atrás reprimia a sexualidade delas e negava-lhes direitos, uma expressão é bastante frequente quando se fala em violência contra a mulher: “cultura do estupro”. Define-se assim a violência sexual quando esta se torna algo usual dentro de uma sociedade. Entre os exemplos de comportamentos associados a este fenômeno estão a culpabilização da vítima, a sexualização da mulher como objeto e a banalização da violência contra ela.
No início da década de 1970, nos Estados Unidos, o estupro era considerado uma doença, uma anomalia, uma “necessidade” masculina, uma mentira, ou era culpa da vítima. Esses conceitos passaram a ser questionados à medida que os comentários das pessoas nos grupos de sensibilização apresentavam visões completamente diferentes sobre o tema.
Durante muito tempo, defendeu-se que esse tipo de violência tinha ligação direta com a questão da desigualdade social, o que logo foi posto em dúvida, quando casos como os de estupros na USP, os rankings sexuais, a violência nos trotes e o chamado revenge porn entre universitários passaram a ser denunciados. Desde então, não só um ciclo de silêncio foi quebrado, mas a cultura do estupro e a violência contra a mulher, práticas enraizadas na sociedade brasileira, foram expostas também em outros âmbitos, nos diferentes níveis sociais.
Recentemente, um estudo sobre a violência nas universidades do Brasil apontou que mais da metade das estudantes do País já sofreu assédio sexual. De acordo com o levantamento, que ouviu 1.823 universitários das cinco regiões do País, sete em cada dez alunas já foram vítimas de algum tipo de violência dentro das universidades, e 30% delas já sofreu algum tipo de abuso sexual. Das vítimas, mais da metade registrou denúncia.
Este e outros dados, que revelam uma situação alarmante, foram apresentados pela pesquisa “Violência contra a mulher no ambiente universitário”, do Instituto Avon em parceria com o Data Popular, em dezembro de 2015.
Na pesquisa, apenas 10% das mulheres afirmaram espontaneamente terem sofrido algum tipo de violência sexual no ambiente acadêmico. No entanto, quando foram questionadas se sofreram algum dos itens apresentados em uma lista de ofensas sexuais, o número saltou para 67%. No caso dos homens, apenas 2% admitiram de forma espontânea ter cometido algum ato de violência. Questionados a partir da mesma lista de situações violentas, 38% deles reconheceram terem praticado alguma das ações.
Segundo a presidente do Conselho do Instituto Avon, Alessandra Ginante, isso acontece porque, diferentemente da violência doméstica, em que a Lei Maria da Penha tipifica todos os casos, o grande problema da violência de gênero nas universidades é que ela não está claramente caracterizada, nem para quem a sofre, como também para quem a comete.
A pesquisa também mostrou que situações de assédio sexual, como ter o corpo tocado sem consentimento, sofrer tentativa de abuso por estar sob efeito de álcool ou drogas, ser forçada a beijar outro aluno ou ser coagida a ter relação sexual sem consentimento foram sofridas por 28% das entrevistadas. Já entre os alunos, 27% disseram não considerar tratar-se de violência contra a mulher tentar abusar dela se a mesma estiver alcoolizada.
Os casos como cantadas ofensivas e comentários de natureza sexual explícita por parte de alunos ou professores foram relatados por 56% das alunas. Das que denunciaram, um terço sofreu represálias, como serem hostilizadas, ficarem isoladas ou serem expostas na universidade.
Levando em consideração os dados da pesquisa, é praticamente inaceitável acreditar que, mesmo após anos de luta contra essa cultura do estupro e pela busca da igualdade entre homens e mulheres, ainda exista um grupo considerável de pessoas que enxergam a mulher como objeto. Objeto este que seduz e atrai o homem, e acaba o tornando vítima de um crime cometido por ele mesmo.
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