Em pleno século XXI, casos de assédio ainda não são tidos como crimes graves e, infelizmente, a maioria das mulheres acaba desistindo de fazer a denúncia, seja devido ao medo, por considerarem a pena para o agressor leve demais, ou mesmo por acharem que não estarão sendo ouvidas. Situações que fazem com que a vítima desse tipo de violência muitas vezes se sinta amordaçada, sem saber o que fazer ou a quem recorrer. Esse cenário muitas vezes leva as mulheres a um sentimento de impotência profunda, terreno fértil para o desespero e para a depressão.
Em uma sociedade marcada pelo machismo, parece natural que os homens achem que podem fazer o que quiserem com as mulheres, como se os corpos delas fossem públicos. Que atire a primeira pedra quem nunca levou uma cantada vulgar no meio da rua e teve que absorver isso como algo natural. Mas como isso pode ser natural?! Se uma mulher vai à delegacia denunciar um assédio, muitas vezes ainda perguntam que tipo de roupa ela estava vestindo. Pesquisas apontam que cerca de 80% das brasileiras que sofrem assédio preferem não prestar queixa. Alguém arrisca explicar por que isso ainda acontece?
Um dos exemplos vivos de coragem e determinação na busca de reverter essa conjuntura é a estudante e ativista Priscila Baima, 24 anos, que, juntamente com algumas amigas, criou um grupo no Facebook chamado “Assédio em Fortaleza – Denúncias”. O AFD surgiu após algumas meninas terem denunciado em outro grupo os assédios e até mesmo abuso sexual que sofreram por parte de um rapaz. Tendo as postagens criticadas e banidas mesmo após uma grande repercussão, surgiu a ideia de criar o grupo, que com menos de um mês de existência e com mais de 1.500 membros, tem um objetivo bem claro: ajudar a mulherada a não ficar calada diante de casos de assédio e outros tipos de violência.
Para conhecer um pouco mais sobre o grupo “Assédio em Fortaleza – Denúncias”, nossa repórter, Samya Nara, bateu um papo descontraído com Priscila Baima. Saiba o que a ativista tem a dizer sobre feminismo, denúncias, o papel do cyberativismo nessa luta, entre outras coisas. Confira:
No Pátio: O silêncio feminino sempre foi facilmente observado em todas as esferas sociais e, hoje, percebemos que as mulheres estão ganhando mais voz e lutando pelos direitos que os homens sempre tiveram. Você acha que isso também pode ser afirmado quando o assunto é a denúncia de crimes ou as mulheres ainda precisam soltar o “grito” nessa questão?
Priscila Baima: As mulheres precisam ser ouvidas. Urgentemente. Todos os dias. Incansavelmente. Acho que o grito se torna bem maior hoje por termos certa liberdade em pleno 2016. Mas ainda falta tanto. O nosso grito é secular. Denúncias como as de assédio, como abuso sexual, como violência doméstica unem até mulheres que não fazem parte de algum movimento feminista. E isso faz ativar essa vontade nelas e aumenta o número de mulheres cada vez mais unidas. Eu fico muito feliz com isso. Mães de família hoje entrando para luta que também são delas, com 30, 40, 50 anos. Então, sim, a denúncia para a violência contra a mulher monta um “coral” muito bem organizado, mesmo que a “música” que estamos compondo não seja para entretenimento.
No Pátio: A página marca uma posição sobre a importância de não se calar em casos de assédio. No entanto, diante da repercussão que uma das denúncias teve em outro grupo do Facebook, algumas das meninas foram taxadas de feministas. Você considera a página como feminista?
Priscila Baima: Quem conhece a história tem que ser feminista. E não é demagogia não. Sabemos, historicamente, que mulheres sempre foram violentadas em todos os aspectos da vida. Isso vem da Grécia. Mulheres eram vistas como impuras, feias e descartáveis para a visão grega. Não à toa, a mulher só servia para procriação. Parte desse pensamento está até hoje inserido no nosso inconsciente coletivo. Até hoje existem pessoas que acham que as mulheres têm que ser delicadas, falar baixo, ser de um homem só e ser mãe. E isso é um absurdo. Hoje, temos mulheres cada vez mais jovens lutando pelos seus direitos. Temos cada vez mais liberdade sexual também. Hoje a mulher pode ser lésbica, bissexual, heterossexual e trans. Todas estão ganhando autonomia e isso está sendo mostrado. Para uma sociedade machista como a cearense, isso pode ser um pesadelo. A mudança precisa de ruptura mesmo. O feminismo é um movimento político e social que luta pela equidade de todas as mulheres, mesmo que as que não se considerem feministas não concordem com isso. Afinal, foi por causa das feministas do passado que todas agora, sem exceção, têm voz, trabalham, estão na Internet, sabem ler. Antes não era assim. O grupo é feminista. E que bom. Se não, não faria sentido nenhum.
No Pátio: Até que ponto você considera que é importante essa ampliação e fortalecimento da página como forma de enfrentamento e de apoio a quem é ou já foi vítima?
Priscila Baima: Desde que começou, o intuito da página era esse: o de fortalecer e o de unir. Atualmente, existem mais de 1.500 mulheres unidades por uma única causa: a de proteção umas das outras. E isso é maravilhoso. Mulheres unidas se tornam mais fortes. Nunca pensei que ia ler e ouvir tantos relatos pessoais. Muitas meninas confiaram em mim para denunciar seus casos. Relatos anônimos fortes, que me fizeram, muitas vezes, baixar a cabeça no computador e simplesmente chorar. É incrível o poder da Internet. E que bom que o cyberativismo pode nos dar a chance de nos libertar dos nossos medos, fantasmas e traumas.
No Pátio: Você arrisca falar sobre até quando acredita que as mensagens feministas serão óbvias não apenas para alguns, mas para todos?
Priscila Baima: Vai demorar, mas vai acontecer. O senso comum dessa geração tem mudado e se adaptado à realidade de que, sim, as mulheres são seres humanos, têm desejos, vontades, direitos como o de ir e vir. Isso é óbvio. Não era nem para discutir. Numa sociedade minimamente democrática isso tem que acontecer. É dever. É ético. Triste daquele que não pense assim.
Cotidianamente, mulheres são vítimas de violência verbal e oprimidas por velhos costumes que se rejeitam a serem apagados. Até hoje a mulher não pode escolher fazer ou não um aborto, ter ou não uma vida sexual mais liberal, pertencer ou não a um determinado padrão estético, sem que seja julgada pela sociedade. A luta para desconstruir o machismo é grande, mas ainda é preciso que elas próprias aprendam a abandonar essa realidade sexista.
A violência contra mulher não é apenas física. Controlar financeiramente, expor a vida íntima e forçar atos sexuais desagradáveis são alguns casos previstos pela Lei Maria da Penha, principal legislação brasileira para enfrentar a violência contra a mulher. No caso de crimes cibernéticos, eles podem ser denunciados nos seguintes locais:
– Site da Safernet:
Mantido pela equipe da Safernet, o site recolhe denúncias anônimas relacionadas a crimes de pornografia infantil, racismo, apologia e incitação a crimes contra a vida, entre outros.
– Canal do Cidadão do MPF:
O Ministério Público Federal recebe denúncias de diferentes tipos. A pessoa pode optar por manter os seus dados em sigilo ou não. A Procuradoria-Geral da República recomenda aos cidadãos apresentarem o maior número de provas para que o processo possa ter mais agilidade.
– Disque 100:
Outro canal para realizar denúncias de casos de assédio ou violência sexual é o Disque 100, serviço coordenado pelo Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. O Disque 100 funciona 24 horas por dia, as ligações são gratuitas e podem ser feitas de qualquer local no Brasil. A denúncia é anônima e as demandas são encaminhas para as autoridades competentes.
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